Saturday, August 25, 2007

Aula do dia 21/08

Nesse dia, tratamos das primeiras manifestações de ensino de língua estrangeira de que se tem notícia na História. Alguém desavisado poderia se perguntar: "Por que estudar algo que já se passou há tanto tempo?" Bem, a essa pergunta, que inicialmente parece ter uma resposta simples (ou simplória, talvez, a saber: "porque é bom ter cultura"), vamos responder com uma breve consideração sobre "fator precedente". O próprio porquê do estudo da História (um dos porquês, na verdade) está relacionado a isso. "Fator precedente" é o princípio pelo qual compreender aquilo que já se passou ajuda a entender o que está por vir. O ser humano, apesar de todo o progresso científico e cultural, e apesar de todas as guerras e politicagens que parecem abalar o mundo a cada dia, tem algumas características que lhes são universais, que não mudam com um simples piscar de olhos do tempo. E em busca dessa essência, alguns criam poesia, e outros criam ciência.

Nessa busca, a História nos mostra que, desde os primórdios da humanidade há o interesse no aprendizado de línguas estrangeiras, por razões que não soam estranhas a nós atualmente: econômicas, diplomáticas, sociais, comerciais, militares e etc. Nessa aula, procurei mostrar para vocês algumas informações sobre a história desse interesse.

O primeiro momento digno de análise é o do homem tribal. Sabemos que, inicialmente nômade, ele aos poucos dominou técnicas de agricultura e pastoreio, que lhe permitiram fixar-se em um lugar determinado. É provável que "línguas" diferentes tenham entrado em contato tanto na era do nomadismo quanto nas tribos estabelecidas. Aqui usamos aspas na palavra "línguas" porque não se sabe muito bem como era a comunicação dos homens daquele tempo. Mesmo assim, não é difícil imaginar como se comportavam ao entrar em contato com outros grupos, com os quais não conseguiam se comunicar sem uma boa dose de apelo gestual. O contato entre as línguas deve ter sido mediado na base de um processo totalmente assistemático, com aquisições ou assimilações em meio natural, e muita "tentativa e erro". Na essência, não é muito diferente do que acontece hoje quando se colocam dois falantes de línguas diferentes numa situação em que precisam se comunicar de qualquer forma e nenhum tem noção da língua do outro.

Mas o segundo momento dessa análise nos interessa mais. Com a progressão das relações sociais entre os homens, foram possíveis formas mais elaboradas de línguas e civilizações (3.000 a.C.). Um dos povos da antigüidade que mais interessa considerar é o sumério, inventor da escrita cuneiforme. Esse tipo de escrita era feito com pequenos riscos feitos em tábuas de barro por um objeto em formato de cunha. As tabuinhas eram então postas pra secar, e, quando os sumérios precisavam de um registro mais duradouro de seus textos, eles assavam as tábuas em um forno e as guardavam. Os textos escritos por eles eram dos mais variados tipos, e iam desde escritos com funções administrativas (cobranças de impostos, registro de gastos das construções, títulos de propriedades) até cartas, receitas, vocabulários, listas, leis, hinos, rezas, encantamentos "mágicos" e textos científicos incluindo matemática, astronomia e medicina.

A invenção da escrita possibilitou, então, a existência do "livro" como um registro do conhecimento, capaz de transmitir mais conhecimentos para as gerações posteriores de maneira mais confiável do que a oralidade. Aparece na cultura suméria também a figura da "escola", chamada Edubba ("casa das tabuinhas"), como um centro de manutenção desses saberes. A Epopéia de Gilgamesh e o Código de Hamurabi não exemplos de textos que datam desta época e foram feitos com essa tecnologia (não necessariamente pelos sumérios, pois a técnica foi passada para outros povos pouco depois).

Com isso, passa a existir a figura do escriba. A escrita é vista, na maioria das civilizações antigas, como um dom conferido pelos deuses, e é quase certo que a maioria delas tinha um deus reservado para esse fato de suas vidas. Para os Sumérios, era Enki, também deus das águas. Para os egípcios, era Toth. Para os antepassados dos gregos, Hermes, o mensageiro dos deuses. A profissão do escriba, era, assim, ligada também a uma forma de sacerdócio desse deus (note-se aqui uma concepção mitológica de língua), e, como outras profissões da época, ela era ensinada com base em relações diretas entre mentor e aprendiz, sendo que apenas a "elite" tinha acesso a essa função, como se constituísse uma "classe exclusiva de eruditos" da época.

Nisso, os sumérios foram conquistados por um povo vizinho, os acadianos, num processo de dominação pacífica e fusão de culturas. Interessados na tecnologia de escrita dos sumérios, eles logo resolvem adaptá-la a sua própria língua, e, para isso, aprenderam a língua dos dominados. Assim como português e inglês compartilham hoje o mesmo alfabeto, a língua acadiana aproveitou o sistema de notação silábica dos sumérios para si. Surge dessa interação a primeira forma sistematizada de ensino de língua estrangeira, com o intermédio da escrita cuneiforme e o compartilhamento de culturas.

Avançando alguns séculos (III a.C.), podemos analisar então a relação dos romanos com as línguas estrangeiras. Nota-se aqui o mesmo interesse na língua de um povo de status. As línguas de povos tidos como "bárbaros" eram aprendidas apenas por interesses pragmáticos, ou seja, para permitir a comunicação nos territórios dominados. Isso porque a língua a prevalecer seria a língua deles, um povo de maior "status": Conforme os romanos ocupavam territórios na Europa, certa espécie de magnetismo natural da capital do império dava "grandeza" ao latim, fazendo com que ele fosse disseminado pela população. As "línguas menores" acabaram sendo totalmente transformadas pelo contato com a língua dos dominadores, formando então os chamados "romanços", que de dialetos do latim evoluíram para as línguas vernáculas da Europa posteriormente. Ao contrário do que se pensa, não houve política de imposição lingüística por parte do império romano, esta transformação aconteceu naturalmente. Enquanto isso, o ensino de língua grega para os romanos baseava-se em manuais bilíngües, que enfatizavam usos práticos da língua alvo, seu vocabulário e a conversação, e nenhuma identidade lingüística foi perdida.

Essa técnica perdura após a queda do império romano, durante a Idade Média (séc. VII - XV d.C.), e, aqui, a língua de interesse maior já é a latina clássica, vista como "língua da cultura". Os mestres medievais, na sua maioria religiosos e nobres ensinando para religiosos e nobres, ensinavam o latim como uma língua estrangeira, portanto, uma vez que essa já estava radicalmente diferente das línguas vernáculas. Suas práticas partiam da letra, iam à sílaba, depois às palavras e então às frases, e era freqüente a leitura de textos religiosos e poesias, com o apoio de glossários e traduções. Já é possível falar em concepção tradicionalista de língua nessa época, porque já se vê esta como uma disciplina mental a ser dominada, em padrões greco-latinos de conhecimento (ainda que amplamente fora do alcance da população comum). Este ensino medieval é o berço no qual nasce o primeiro método amplamente reconhecido como um método de ensino de língua estrangeira: o Método Gramática e Tradução.

Na folha de apoio que foi utilizada nessa aula constam um trecho de um artigo sobre o assunto central e informações secundárias (sobre a escrita cuneiforme e os dois textos mais famosos que foram escritos com esta). Há também uma foto de uma das tabuinhas de barro, uma ilustração com os sinais que eles utilizavam nestas e um mapa da região da Mesopotâmia, onde estavam Suméria e Ágade. Para baixar o arquivo, clique aqui.

Até a próxima aula!

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